Por que o Blender pode ser muito útil para arquitetura

Publicado em 27.11.2021
por Bruno Perdigão

Originalmente publicado no Medium em 14/12/2020. De lá pra cá o Blender já evoluiu muito mas acho que boa parte do conteúdo do texto ainda funciona


Há pouco mais de um ano retomei o contato com o Blender buscando um software alternativo para usar no desenvolvimento de projetos de arquitetura. Eu sabia da existência do Blender já há bastante tempo, mas nunca havia utilizado. Comecei a pesquisar novamente sobre o software e na época eles estavam lançando a versão alpha 2.8, que trazia melhoras significativas e estava muito mais fácil de usar. O principal problema é que ele não é específico para arquitetura, mas sim para a indústria do cinema, animação e efeitos especiais. Então boa parte dos tutoriais e materiais de ensino eram voltados para essas áreas.

Inicialmente parecia muito claro que o Blender poderia ter um uso para arquitetura, na parte de modelagem e render. Algumas pessoas já trabalhavam com isso e aos poucos fui encontrando mais materiais. De lá pra cá, no entanto, percebi que o potencial de uso é muito maior. Por ser um software aberto e bem consolidado o Blender evolui muito rápido e conta com o desenvolvimento de addons por diversas pessoas com diferentes focos e objetivos. Essa postagem é para compartilhar algumas experiências que tive utilizando o Blender e dar uma visão geral do enorme potencial que ele tem para o trabalho em arquitetura.

  • Se você não sabe o Blender é um software livre! Então se algum dos itens apresentados despertar seu interesse você pode simplesmente baixar o programa e começar a usar.

Modelagem e imagens

O principal atrativo que o Blender pode ter para novos usuários é sua utilização como um software para modelagem e produção de imagens. Nesse sentido, o Blender pode ser um bom substituto para o Sketchup, V-ray e Lumion.

O Blender é uma excelente ferramenta para modelagem. A principal dificuldade para quem vem de outros softwares de arquitetura é que ele tem uma lógica diferente de outros softwares CAD, mas é possível trabalhar com unidades de medida e precisão. Para aprender, é bom não se apegar tanto à maneira como você modela no Sketchup, Revit ou Archicad. No entanto, alguns usuários têm desenvolvido addons para deixar o fluxo de trabalho do Blender mais parecido com um CAD . Apesar dessa dificuldade inicial em absorver outra lógica de trabalho, a modelagem no Blender tem muitas possibilidades. Um dos pontos mais interessantes são os Modifiers, que é uma maneira não-destrutiva de modificar a geometria dos objetos. Isso dá uma agilidade ao processo e permite chegar em resultados rápidos. Em suma, pode ser um pouco estranho no começo, mas com o tempo, modelar no Blender não só fica mais simples, mas também mais poderoso.

Imagens fotorrealistas

Além da modelagem o Blender possui dois Renderizadores internos que funcionam de maneiras diferentes. O Cycles é adequado para resultados mais realistas e mais demorados (parecido com o Vray) e o Eevee é bem mais rápido, mas tem mais limitações quanto ao realismo (parecido com o Lumion). O mais desafiador em termos de aprendizado é o editor de materiais. Ele é baseado em um sistema de nós e conexões de inputs e outputs - se você já usou Grasshopper vai entender mais fácil essa lógica. Os resultados são excelentes e através de diferentes modos de visualização você consegue ter um retorno em tempo real.

Diferentes modos de visualização em tempo real

Diferentes modos de visualização em tempo real

Exemplo de imagem fotorrealista

Exemplo de imagem fotorrealista

Ilustrações não-realistas

Outro ponto que pode agradar uma boa quantidade de usuários é a capacidade de utilizar o Blender para a produção de imagens não-realistas. Com algumas poucas configurações de render e materiais é possível ter ilustrações simples e significativas que poderiam até mesmo substituir o photoshop do seu fluxo de trabalho - com a vantagem de estar trabalhando em 3d e poder facilmente mudar o enquadramento ou escolher novas cenas. Além disso o Blender tem a Grease Pencil (que vou detalhar mais a frente) que é fantástica para adicionar desenhos e croquis rapidamente na sua imagem.

Exemplo de ilustração não-realista

Exemplo de ilustração não-realista

Visualização não realista misturando 2d e 3d

Visualização não realista misturando 2d e 3d

  • Resumo: O Blender é excelente para modelagem e produção de imagens. Dependendo do seu método de trabalho, pode ser um substituo imediato a outros softwares do mercado

BIM

Atualmente está em desenvolvimento um addon para dar ao Blender capacidades de BIM. A ideia é simples: você modela no Blender do jeito que preferir e depois categoriza cada objeto de acordo com o esquema IFC. Dessa forma você já trabalha dentro de uma lógica de interoperabilidade OpenBIM e minimiza a perda de dados e informações no modelo ao ser compartilhado. É uma ferramenta muito poderosa e que está num rápido desenvolvimento. Além disso, é possível tirar quantitativos , desenhos 2D a partir do modelo e fazer detecção de interferências .

  • O Blender BIM Addon está ainda em fase inicial de desenvolvimento. No entanto, tem evoluído muito rápido e já apresenta ferramentas bastante interessantes. É possível que, em médio prazo, seja um software totalmente apto ao uso profissional no desenvolvimento de projetos BIM.

Ladybug e análise ambiental

Ladybug é um conjunto de ferramentas de análise ambiental que foi criada originalmente para ser usada com Grasshopper/Rhino. Como seu núcleo é Open Source, recentemente alguns desenvolvedores criaram uma interface de integração com o Blender. Com isso você pode ter uma ferramenta rápida e poderosa que te dá uma visualização de aspectos do ambiente, permitindo uma melhor tomada de decisão sobre o projeto e sua relação com o conforto térmico.

Gráfico solar tridimensional gerado com Ladybug+Blender

Gráfico solar tridimensional gerado com Ladybug+Blender

Design Computacional

O Blender apresenta algumas opções diferentes para criar geometria dentro de uma lógica computacional. Existe um addon que foi inspirado no Grasshopper que se chama Sverchok e permite criar geometria dentro de uma lógica paramétrica. É mais complexo de aprender, mas quando você entende o processo é possível pensar muitas soluções interessantes para arquitetura (ver gif abaixo). Foi através do Sverchok que o Ladybug foi implementado no Blender, então é possível imaginar a possibilidade de conectar dados da análise ambiental com parâmetros geométricos. Ainda não fiz nenhum teste nesse sentido, mas existem tutoriais utilizando Ladybug+Grashopper que podem servir de inspiração.

Parede de tijolos feita utilizando Sverchok

Parede de tijolos feita utilizando Sverchok

Outra opção bem interessantes é o Tissue , que é mais simples de entender e começar a usar. Inclusive existem alguns bons tutoriais explicando seu uso para a arquitetura. Sua abordagem é mais direta, permitindo criar paineis que se repetem sobre as faces de uma geometria. É um processo interessante para a criação de fachadas complexas onde se pode ter uma visualização rápida. Por fim, existem uma ferramenta em desenvolvimento (apareceu enquanto eu escrevia essa postagem) que é muito útil para a criação de objetos paramétricos. Os Geometry Nodes são um recurso desenvolvido pelos próprios desenvolvedores do Blender e que permite a criação de objetos a partir da manipulação por nós de algumas ferramentas já existentes no software. Essa opção ainda está na fase experimental, mas promete ser um ótimo recurso para arquitetura.

Mesa paramétrica feita com Geometry Nodes

Mesa paramétrica feita com Geometry Nodes

  • Blender é fantástico para quem quer aprender desenho computacional. Todavia, seu uso tem limitações em relação à modelagem NURBS , o que pode ser um problema caso você precise de um alto nível de precisão em geometrias complexas.

Croquis em 3D

Mencionei a ferramenta Grease Pencil como uma possibilidade de adicionar detalhes às suas imagens. No entanto, existem possibilidades ainda melhores. A Grease Pencil mistura ideias de desenho e animação 2D com 3D. Ou seja, é um objeto com traços de desenho mas que está localizado no espaço 3D. Para o uso em arquitetura é uma possibilidade de criar croquis em 3 dimensões. Imagine que, numa fase inicial do projeto, você pode usar o desenho para a concepção inicial do projeto, mas ao invés da fazer apenas no papel, você pode fazer trimensionalmente e em escala. Você pode inclusive misturar parte desenho e parte modelo 3D. Isso pode ser útil também em fases posteriores do projeto como detalhamento, revisão e comunicação com equipe. Se você tem uma mesa digitalizadora, a experiência é ainda mais legal. É uma ferramente fantástica que gostaria de ver mais pessoas ligadas a arquitetura experimentando.

Grease Pencil para fazer croquis em 3D

Grease Pencil para fazer croquis em 3D

Visão Geral

Existem duas perguntas importantes que espero ter respondido. O Blender é um software completo para arquitetura? Não (ainda). Mas o Blender pode ser útil para arquitetura? Sim, e muito. Sem dúvidas é uma opção que pode substituir alguns softwares nos processos mais comuns utilizados no desenvolvimento de projetos. No meu caso, o Blender serviu inclusive como porta de entrada para outros assuntos. Inicialmente eu estava interessado apenas em um software em que eu pudesse modelar e renderizar imagens. Depois de um tempo eu estava lendo sobre OpenBIM, aprendendo design paramétrico e voltando a desenhar com minha mesa digitalizadora. Acredito que essa seja uma das grandes vantagens do Blender: é um software voltado para criação. De certa forma, deixa alguns processos mais prazerosos e menos mecânicos. Aprender um software novo pode ser uma barreira para muita gente, mas uma grande vantagem de um software livre é que você não precisa investir dinheiro para usufruir, apenas seu tempo. Uma vez passada a barreira inicial de aprendizado, o Blender se mostra uma ferramenta divertida e útil que pode ajudar bastante em seus processos de projeto.