Por que o Blender pode ser muito útil para arquitetura
Originalmente publicado no Medium em 14/12/2020. De lá pra cá o Blender já evoluiu muito mas acho que boa parte do conteúdo do texto ainda funciona
Há pouco mais de um ano retomei o contato com o Blender buscando um software alternativo para usar no desenvolvimento de projetos de arquitetura. Eu sabia da existência do Blender já há bastante tempo, mas nunca havia utilizado. Comecei a pesquisar novamente sobre o software e na época eles estavam lançando a versão alpha 2.8, que trazia melhoras significativas e estava muito mais fácil de usar. O principal problema é que ele não é específico para arquitetura, mas sim para a indústria do cinema, animação e efeitos especiais. Então boa parte dos tutoriais e materiais de ensino eram voltados para essas áreas.
Inicialmente parecia muito claro que o Blender poderia ter um uso para arquitetura, na parte de modelagem e render. Algumas pessoas já trabalhavam com isso e aos poucos fui encontrando mais materiais. De lá pra cá, no entanto, percebi que o potencial de uso é muito maior. Por ser um software aberto e bem consolidado o Blender evolui muito rápido e conta com o desenvolvimento de addons por diversas pessoas com diferentes focos e objetivos. Essa postagem é para compartilhar algumas experiências que tive utilizando o Blender e dar uma visão geral do enorme potencial que ele tem para o trabalho em arquitetura.
- Se você não sabe o Blender é um software livre! Então se algum dos itens apresentados despertar seu interesse você pode simplesmente baixar o programa e começar a usar.
Modelagem e imagens
O principal atrativo que o Blender pode ter para novos usuários é sua utilização como um software para modelagem e produção de imagens. Nesse sentido, o Blender pode ser um bom substituto para o Sketchup, V-ray e Lumion.
O Blender é uma excelente ferramenta para modelagem. A principal dificuldade para quem vem de outros softwares de arquitetura é que ele tem uma lógica diferente de outros softwares CAD, mas é possível trabalhar com unidades de medida e precisão. Para aprender, é bom não se apegar tanto à maneira como você modela no Sketchup, Revit ou Archicad. No entanto, alguns usuários têm desenvolvido addons para deixar o fluxo de trabalho do Blender mais parecido com um CAD . Apesar dessa dificuldade inicial em absorver outra lógica de trabalho, a modelagem no Blender tem muitas possibilidades. Um dos pontos mais interessantes são os Modifiers, que é uma maneira não-destrutiva de modificar a geometria dos objetos. Isso dá uma agilidade ao processo e permite chegar em resultados rápidos. Em suma, pode ser um pouco estranho no começo, mas com o tempo, modelar no Blender não só fica mais simples, mas também mais poderoso.
Imagens fotorrealistas
Além da modelagem o Blender possui dois Renderizadores internos que funcionam de maneiras diferentes. O Cycles é adequado para resultados mais realistas e mais demorados (parecido com o Vray) e o Eevee é bem mais rápido, mas tem mais limitações quanto ao realismo (parecido com o Lumion). O mais desafiador em termos de aprendizado é o editor de materiais. Ele é baseado em um sistema de nós e conexões de inputs e outputs - se você já usou Grasshopper vai entender mais fácil essa lógica. Os resultados são excelentes e através de diferentes modos de visualização você consegue ter um retorno em tempo real.
Ilustrações não-realistas
Outro ponto que pode agradar uma boa quantidade de usuários é a capacidade de utilizar o Blender para a produção de imagens não-realistas. Com algumas poucas configurações de render e materiais é possível ter ilustrações simples e significativas que poderiam até mesmo substituir o photoshop do seu fluxo de trabalho - com a vantagem de estar trabalhando em 3d e poder facilmente mudar o enquadramento ou escolher novas cenas. Além disso o Blender tem a Grease Pencil (que vou detalhar mais a frente) que é fantástica para adicionar desenhos e croquis rapidamente na sua imagem.
- Resumo: O Blender é excelente para modelagem e produção de imagens. Dependendo do seu método de trabalho, pode ser um substituo imediato a outros softwares do mercado
BIM
Atualmente está em desenvolvimento um addon para dar ao Blender capacidades de BIM. A ideia é simples: você modela no Blender do jeito que preferir e depois categoriza cada objeto de acordo com o esquema IFC. Dessa forma você já trabalha dentro de uma lógica de interoperabilidade OpenBIM e minimiza a perda de dados e informações no modelo ao ser compartilhado. É uma ferramenta muito poderosa e que está num rápido desenvolvimento. Além disso, é possível tirar quantitativos , desenhos 2D a partir do modelo e fazer detecção de interferências .
- O Blender BIM Addon está ainda em fase inicial de desenvolvimento. No entanto, tem evoluído muito rápido e já apresenta ferramentas bastante interessantes. É possível que, em médio prazo, seja um software totalmente apto ao uso profissional no desenvolvimento de projetos BIM.
Ladybug e análise ambiental
Ladybug é um conjunto de ferramentas de análise ambiental que foi criada originalmente para ser usada com Grasshopper/Rhino. Como seu núcleo é Open Source, recentemente alguns desenvolvedores criaram uma interface de integração com o Blender. Com isso você pode ter uma ferramenta rápida e poderosa que te dá uma visualização de aspectos do ambiente, permitindo uma melhor tomada de decisão sobre o projeto e sua relação com o conforto térmico.
Design Computacional
O Blender apresenta algumas opções diferentes para criar geometria dentro de uma lógica computacional. Existe um addon que foi inspirado no Grasshopper que se chama Sverchok e permite criar geometria dentro de uma lógica paramétrica. É mais complexo de aprender, mas quando você entende o processo é possível pensar muitas soluções interessantes para arquitetura (ver gif abaixo). Foi através do Sverchok que o Ladybug foi implementado no Blender, então é possível imaginar a possibilidade de conectar dados da análise ambiental com parâmetros geométricos. Ainda não fiz nenhum teste nesse sentido, mas existem tutoriais utilizando Ladybug+Grashopper que podem servir de inspiração.
Outra opção bem interessantes é o Tissue , que é mais simples de entender e começar a usar. Inclusive existem alguns bons tutoriais explicando seu uso para a arquitetura. Sua abordagem é mais direta, permitindo criar paineis que se repetem sobre as faces de uma geometria. É um processo interessante para a criação de fachadas complexas onde se pode ter uma visualização rápida. Por fim, existem uma ferramenta em desenvolvimento (apareceu enquanto eu escrevia essa postagem) que é muito útil para a criação de objetos paramétricos. Os Geometry Nodes são um recurso desenvolvido pelos próprios desenvolvedores do Blender e que permite a criação de objetos a partir da manipulação por nós de algumas ferramentas já existentes no software. Essa opção ainda está na fase experimental, mas promete ser um ótimo recurso para arquitetura.
- Blender é fantástico para quem quer aprender desenho computacional. Todavia, seu uso tem limitações em relação à modelagem NURBS , o que pode ser um problema caso você precise de um alto nível de precisão em geometrias complexas.
Croquis em 3D
Mencionei a ferramenta Grease Pencil como uma possibilidade de adicionar detalhes às suas imagens. No entanto, existem possibilidades ainda melhores. A Grease Pencil mistura ideias de desenho e animação 2D com 3D. Ou seja, é um objeto com traços de desenho mas que está localizado no espaço 3D. Para o uso em arquitetura é uma possibilidade de criar croquis em 3 dimensões. Imagine que, numa fase inicial do projeto, você pode usar o desenho para a concepção inicial do projeto, mas ao invés da fazer apenas no papel, você pode fazer trimensionalmente e em escala. Você pode inclusive misturar parte desenho e parte modelo 3D. Isso pode ser útil também em fases posteriores do projeto como detalhamento, revisão e comunicação com equipe. Se você tem uma mesa digitalizadora, a experiência é ainda mais legal. É uma ferramente fantástica que gostaria de ver mais pessoas ligadas a arquitetura experimentando.
Visão Geral
Existem duas perguntas importantes que espero ter respondido. O Blender é um software completo para arquitetura? Não (ainda). Mas o Blender pode ser útil para arquitetura? Sim, e muito. Sem dúvidas é uma opção que pode substituir alguns softwares nos processos mais comuns utilizados no desenvolvimento de projetos. No meu caso, o Blender serviu inclusive como porta de entrada para outros assuntos. Inicialmente eu estava interessado apenas em um software em que eu pudesse modelar e renderizar imagens. Depois de um tempo eu estava lendo sobre OpenBIM, aprendendo design paramétrico e voltando a desenhar com minha mesa digitalizadora. Acredito que essa seja uma das grandes vantagens do Blender: é um software voltado para criação. De certa forma, deixa alguns processos mais prazerosos e menos mecânicos. Aprender um software novo pode ser uma barreira para muita gente, mas uma grande vantagem de um software livre é que você não precisa investir dinheiro para usufruir, apenas seu tempo. Uma vez passada a barreira inicial de aprendizado, o Blender se mostra uma ferramenta divertida e útil que pode ajudar bastante em seus processos de projeto.